12 dezembro 2013

A Pátria Dentro da Pátria

«Nasci no Porto. A cidade, os seus arredores, as praias próximas, descendo para o Sul, permanecem para mim a pátria dentro da pátria, a Terra materna, o lugar primordial que me funda.
Ali estão as tílias enormes, as manhãs de nevoeiro, as praias saturadas de maresia, os rochedos cobertos de algas e anémonas, as Primaveras botticellianas, os plátanos, a cerejeira, as camélias.
Ali o rio, as casas em cascata, os barcos deslizando rente à rua nas tardes cor de frio do Inverno.
Ali o cais, a Ribeira, os rostos, as vozes, os gritos, os gestos.
Uma beleza funda, grave, rude e rouca. Escadas, arcadas, ruelas abrindo para o labirinto do fundo do mar da cidade. E, aqui e além, um rosto emergindo do fundo do mar da vida.
Porque ali é a cidade onde pela primeira vez encontrei os rostos de silêncio e de paciência cuja interrogação permanece.
Porque ali é o lugar onde para mim começam todos os maravilhamentos e todas as angústias.
Cidade onde sonhei as cidades distantes, cidade que habitei e percorri na ilimitada disponibilidade interior da adolescência.
Descia pelo Campo Alegre, passava a Igreja de Lordelo, seguia entre muros de jardins fechados.
Através das grades de ferro dos portões viam-se rododendros, buxos, cameleiras.
Depois surgia um rio e ao longo do rio eu caminhava sobre os cais de pedra, até à barra, até aos rochedos onde se espraiam as ondas.
Histórias de naufrágios, de barcos perdidos, de navios encalhados. Por isso nas noites de temporal se rezava pelos pescadores. Ouvia-se ao longe o tumulto do mar onde navegavam os pequenos barcos da Aguda tentando chegar à praia. Quando a trovoada estava próxima, a luz apagava-se. Então se acendiam velas e se rezava a Magnífica. [...]
Porque nasci no Porto sei o nome das flores e das árvores e não escapo a um certo bairrismo. Mas escapei ao provincianismo da capital.»

Sophia de Mello Breyner Andresen

4 comentários:

margarida disse...

Impossível não amar desatinadamente esta cidade, quando se nasce nestas pedras.
Que mais dizer, que melhor explicar, do que já pintado pela poetisa portuense aqui declamada?

João Menéres disse...

Bela imagem, Carlos Romão !
Ao que a MARGARIDA disse, nada,mas mesmo nada, tenho a acrescentar.

Grande abraço e parabéns pelo novo cabeçalho !

Duarte disse...

O MEU CANTO AO PORTO

Entre ruas empinadas,
Num sobe e desce constante,
Estás tu, o meu Porto.
Pedras desgastadas,
Algumas enegrecidas
Pelo repouso das penas,
Onde reverdejam alegrias.
Isto é o que senti ao teu lado
Rodeado de bons amigos:
Vindos de longe para ver-te.
Calcando ruas e escadarias,
Por cima dos telhados vermelhos
Espelhos quando molhados.
Mais abaixo o Douro,
Lento, pachorrento, caprichoso,
Contornando o seu espaço, entre
Granjas e videiras, quais jardins.
Os barcos Rabelos seguem ali,
Ainda flutuam com garbo
Orgulhosos do seu passado,
E quanto vinho transportaram!
Aqueles arcos da Ribeira,
As casas apinhadas dos Guindais,
As pontes, e que arcos!
Frondoso arvoredo, e o Palácio
Que já não é de cristal.
O museu Romântico,
E o rei Carlos Alberto:
Quanta historia tem esta terra!
Henrique, o navegador, nasceu aqui,
E quando foi a Ceuta
Deixou ao povo as tripas:
O custo de tal façanha!
Ser tripeiro é um orgulho!
Assim como Manuel de Oliveira.
Na Foz, o mar rebentava
Branco de espuma e de fúria,
No céu as gaivotas!
Na Reboleira soou o Fado,
Sentimento vivo dum povo.
Num afã de possessão
Fotografe tudo,
Quis trazer-te comigo.
Neste ir e voltar tão meu...
Sinfonia de queixumes dou
Desgarros que são meus,
Pedaços de mim que aqui deixo
Entre abraços e olhares.

A tua fotografia, magnifica…

Para ti, um abraço amigo, por aproximar-me à nossa terra

João Menéres disse...

Gostava de saber quem é o seu amigo DUARTE e se O MEU CANTO AO PORTO éde sua autoria.

Gostei muito !