28 maio 2010

A casa Vicent renovada

Há algum tempo, ao descer apressadamente 31 de Janeiro, deparei com a Casa Vicent fechada. Temi o pior, o desaparecimento de mais um símbolo da rua que foi um importante centro de negócios do Porto. O meu receio dissipou-se há dias, quando encontrei a loja renovada e dedicada à representação de uma marca contemporânea de roupa. Não tendo sido possível manter o mobiliário original, salvou-se a fachada e a decoração interior de um dos exemplares mais interessantes da arquitectura comercial da cidade.



Sobre a Casa Vicent, e o ambiente da baixa do Porto no início do século XX, dizia-nos A. Martins, num texto publicado no sítio do IGESPAR, em "bens com protecção legal", que não reencontro:

No dealbar do século XX, a cidade do Porto caracterizava-se essencialmente pela existência de diversificados espaços urbanos de elevado requinte e elegância, dispostos numa atmosfera verdadeiramente cosmopolita, em boa parte mercê do desenvolvimento do comércio do vinho do Porto e da enorme influência que a comunidade britânica exercia no seu seio.



Tal como nos principais centros europeus da época, foi na transição para esta nova centúria que a cidade assistiu ao despontar e florescimento do movimento da "Arte Nova", cujas linhas arquitectónicas e gramática decorativa eram preferencialmente apostas em edifícios comerciais e cafés, apesar de existirem exemplos residenciais, onde a articulação dos novos materiais evocativos do poder industrial e do avanço científico-tecnológico operado ao longo do século XIX, como o ferro e o vidro, assumiu uma dimensão estética absolutamente incontornável no âmbito da História da Arte em Portugal. São disso bons exemplos edificações emblemáticas desta cidade do Douro, como o "Café Majestic", situado num dos locais mais aprazíveis do Porto, a as ourivesarias "Cunha" a "Reis & Filhos", duas provas notáveis de
devanture, onde o trabalho do ferro fundido se acerca da elaboração da prata lavrada e cinzelada.



Apesar disto, o modo tardio como os imóveis (particularmente) inspirados no modelo francês da
Art Nouveau surgiram em território português expressaria bem a lenta implantação do processo industrial entre nós, causa principal do escasso mercado dos seus potenciais admiradores e defensores e, quase por inerência, dos próprios encomendantes. Talvez por isso, a "Arte Nova" se impusesse, não tanto junto das antigas famílias aristocráticas e da própria intelligentzia, quanto de industriais e, acima de tudo, de comerciantes. As suas obras serão, por consequência, algo modestas, reveladas em estruturas comerciais e prédios de rendimento.



Localizada na mesma rua da "Ourivesaria Cunha", a fachada da "Casa Vicent" foi elaborada em plena 1.ª Grande Guerra Mundial, entre 1914 e 1915, com materiais provavelmente encomendados à Companhia Aliança, fundada no Porto, em 1852 pelo Barão de Massarelos. A designação pela qual este estabelecimento é conhecido deve-se ao comerciante estrangeiro que nele se instalou, de nome Vicent, numa época em que a rua onde abriu se transformava numa das principais artérias comerciais do quotidiano portuense no despontar do século XX. E, tal como sucede na maioria dos exemplares caracteristicamente "Arte Nova" erguidos em Portugal, ainda se desconhece, por completo, o nome do seu arquitecto.



O edifício destaca-se, sobretudo, pela utilização de ferro fundido dourado na fachada, com contornos constituídos por uma cadeia de elementos arqueados formando motivos vegetalistas, rematada superiormente com uma concha coroada por um elemento vegetal, cujas formas parecem remeter para a sobrevivência de um certo gosto Rocaille. Quanto ao interior, o espaço mantém todo o mobiliário original, incluindo vitrines, balcões e candeeiros, onde o dourado se revela uma constante. E é ainda no interior que podemos admirar as paredes forradas a papel, os tectos estucados e pintados, além dos pavimentos soalhados a madeira.

4 comentários:

th disse...

Não imaginas como fico contente quando o passado é preservado, com o cuidado necessário em relação ao original.
Beijo, theo

Zaclis Veiga disse...

muito interesante esse teu post. Na próxima viagem vou procurar a casa Vicent. Obrigada.

meirelesportuense disse...

Um trabalho bem conseguido, a frontaria está bonita e parece-me que o interior em parte foi muito bem recuperado com a contrapartida de os elementos mais actuais estarem bem enquadrados, um bom trabalho.

douro disse...

Um espanto